Thursday, September 06, 2007

COMO SERIA... SE OS VIKINGS TIVESSEM COLONIZADO A AMÉRICA? Parte II

O décimo terceiro século depois de Cristo começou conturbado para a Europa. A perda de Jerusalém para Saladino em 1187 fora um duro golpe que a cristandade ainda não havia assimilado direito. No leste, uma nova e imponente ameaça começava a se erguer nas longínquas estepes asiáticas, e muito embora ainda estivesse distante, suas hostes ávidas por pilhagem não tardariam a esvoaçar rumo ao ocidente como uma nuvem de gafanhotos. No Oriente Próximo, a luta pela Terra Santa prossegue, mas os mouros haveriam de reconquistar todos os territórios perdidos em 1099 antes que o século terminasse. Derrota no Levante, vitória na Ibéria, que começara a ser reconquistada dos árabes.

Do outro lado do Mar Tenebroso, no entanto, a vida segue incólume ao choque entre os grandes monoteísmos e à ascensão imperial dos nômades altaicos da Ásia Central. Há três séculos colonos nórdicos estão estabelecidos na costa leste do Canadá, ao longo do curso dos principais rios e já há povoações nos Grandes Lagos. A colonização avança devagar porque os vikings são pouco numerosos, e mesmo superiores em seu armamento de metal, dependem mais de acordos do que de combates com os nativos para poderem se estabelecer, já que as armas de fogo ainda não foram inventadas. A população européia na Vinlândia, apesar de já contar com escoceses, ingleses, frísios, celtas e outros povos do norte europeu, ainda é majoritariamente viking, e apesar de já existir uma rota constante entre a Escandinávia e o novo continente. Vagando sem parar em busca de lugares mais acolhedores na sua interminável diáspora, alguns judeus também já se fazem presentes. Cidades e vilas vinlandesas se espalham pela costa da Terra Nova, atual Canadá, pelo que hoje é o nordeste dos Estados Unidos, até a foz do rio Hudson, onde há uma ilha na qual, na realidade paralela que se tornou verdadeira para nós, se ergue uma cidade chamada Nova York. Com pouco contato com a Europa natal, a Vinlândia cria suas próprias instituições, em quase tudo semelhantes àquelas do mundo viking, amalgamadas com o cristianismo recém-chegado. Teriam um rei, mas sem grandes poderes; a nível local, os conselhos de cidadãos e guerreiros têm mais poder decisório, embora se submetam à autoridade do monarca, uma mistura da estrutura de poder viking com o feudalismo europeu.

A essa altura do campeonato, o patriarca de Roma não pode mais negar o fato de que existem mesmo terras do outro lado do Atlântico. Missionários cristãos se bandeiam para esse novo mundo há um bom tempo, e lá já fundaram paróquias, prelazias, quem sabe até uma diocese. É preciso levar a essas almas desgarradas em terras longínquas a mensagem, a autoridade da Santa Madre Igreja, e os ensinamentos de um de seus maiores teólogos, que naquele século estava vivo e no auge de seu fulgor intelectual: Tomás de Aquino. Sobretudo protegê-las do pernicioso sincretismo com certeza existente num lugar com tamanha confluência de fés: o paganismo nórdico, o cristianismo católico, o judaísmo e as religiões dos nativos (o papa também já sabe que há nativos que jamais ouviram a mensagem do Evangelho). Mas o poder do Sumo Pontífice, embora naqueles tempos conhecesse seu apogeu, não era forte o suficiente para interferir a tão grandes distâncias. Exposto a um grande leque de influências, o cristianismo vinlandense incorporaria elementos do paganismo nórdico e indígena, com algumas influências germânicas e celtas. Heréticos perseguidos na Europa, notadamente cátaros e templários, buscariam também nas terras a oeste um refúgio. O catarianismo, aliás, teria possibilidades de sobrevivência à medida que seus adeptos conseguissem dominar terras no interior do continente. A região central da América do Norte teria um Utah albigense.

Uma pergunta deve estar atormentando alguns cérebros agora: por que os europeus ainda não se lançaram a uma corrida massiva e desenfreada rumo às novas terras, duzentos anos depois de descobri-las. A resposta, a princípio, é simples: a tecnologia náutica européia ainda não havia dominado a navegação em alto-mar, o que forçava a penosa viagem bordejando o Ártico, e a rota permanecia a maior parte do ano fechada pelos rigores do clima nas proximidades do Círculo Polar. A descoberta do continente americano cinco séculos antes teria acelerado o desenvolvimento da indústria naval européia, mas sem o domínio da bússola e do astrolábio a viagem de semanas cruzando o Atlântico não seria possível. Nem mesmo havia quem disponibilizasse as enormes somas necessárias para financiar a aventura ultramarina: as monarquias nacionais tinham pouco poder e a nascente burguesia tampouco tinha o bastante.

No extremo oeste da península ibérica, no entanto, havia uma nota dissonante na orquestra: forjado na luta de reconquista contra os mouros, Portugal erguera-se sob o cetro real, e essa mesma circunstância, aliada à providencial posição geográfica, que o levaria a ser pioneiro europeu na navegação oceânica estava presente no século XIII, quando o pequeno reino já se consolidara. Sabendo que havia terras para além da vastidão atlântica, o ímpeto português de chegar às Índias que se manifestaria após a Revolução de Avis também se voltaria para o oeste. As ilhas da Madeira e dos Açores serviriam como pontas de lança rumo ao Mar Oceano, da mesma forma que serviram na história factual como primeiro estágio na rota para o Oriente. Mas essa é história para o próximo capítulo.

(No próximo capítulo: Portugal rumo ao oriente e ao ocidente; o fortalecimento das monarquias européias e o aumento de interesse em relação à Vinlândia; de como os vinlandenses lidariam com o grande fluxo migratório trazido pelas caravelas).

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