Saturday, September 15, 2007

COMO SERIA... SE OS VIKINGS TIVESSEM COLONIZADO A AMÉRICA?


Parte III


Apesar de haver oficialmente acabado em 1453, a Idade Média de fato começa a morrer e a Idade Moderna começa a bicar a casca do ovo ainda no século anterior. O primeiro evento que precipita as mudanças é a avassaladora mortandade provocada pela peste negra, que grassou rápida e implacável como uma horda de guerreiros mongóis sobre a Europa de 1348 a 1351, dizimando entre um terço e metade da população. O segundo tem a ver diretamente com Portugal: a Revolução de Avis, que concentra de vez o poder nas mãos do monarca luso e o torna financiador da aventura ultramarina. Mas nessa versão da história os portugueses não têm apenas as especiarias indianas como motivação. Sabendo que os escandinavos há muito tempo descobriram uma terra a oeste, tão distante que as narrativas a seu respeito mal e mal distinguem a fantasia da realidade, mas a perspectiva era suficientemente sedutora: se havia terras a noroeste, quem garantia que não havia terras virgens a conquistar mais ao sul? O traçado que margeava a costa ocidental da África é mantido, mas desde o início os navegadores portugueses são instruídos a procurar atentamente por sinais de terra no poente. Na famosa Escola de Sagres, marinheiros, cartógrafos e especialistas outros discutem a que distância estariam essas novas terras, não faltando os céticos empedernidos que, munidos de argumentos razoáveis, “comprovavam” que as terras do oeste se restringiam à Vinlândia, e que a procura portuguesa haveria de ser vã como a espera dos judeus pelo messias já realizado por Deus na encarnação de Cristo.


Mas Portugal, não obstante os riscos, as incertezas e as proscrições, seguirá adiante, ainda mais depois da conquista otomana fechar o acesso das cidades italianas ao mercado das especiarias. A invenção e o constante aperfeiçoamento das caravelas, no entanto, traz conseqüências nada irrelevantes para a Vinlândia em pouco tempo: à medida que dominam a técnica de navegação oceânica, os europeus passam a afluir em maior número. Fugitivos das precárias condições de vida do leste europeu, as primeira comunidades eslavas chegam à outra margem do Atlântico, mas o maior contingente é de ingleses e franceses, principalmente os últimos, devido à Guerra dos Cem Anos. Povos balcânicos dominados pela espada do infiel turco também dão sua parcela de contribuição. Por quatro séculos predominantemente escandinava, com status de fim de mundo que desencorajava mesmo os desesperados a enfiar-se num barco para tentar a travessia, a Vinlândia se vê às voltas com o primeiro fluxo imigratório constante e robusto de sua ainda recente história. Mas apesar da natural resistência que a chegada de grandes contingentes de estrangeiros sempre provoca, a resistência não encontra espaço para se robustecer. Por um simples motivo: há terra demais. Os despossuídos lavradores eslavos poderiam se embrenhar à vontade na hinterland selvagem da América do Norte, e que tivessem boa sorte no confronto com os índios. Os mais urbanizados se instalariam nas cidades costeiras e fluviais, que devido ao talento viking para o comércio já exibiam prosperidade talvez capaz de rivalizar com o esplendor da Liga Hanseática.


É no final do século XV, no entanto, que a posição da Vinlândia perante a Europa e o mundo muda dramaticamente. Mesmo sabendo que existia terra a oeste desde o começo da aventura marítima, Portugal não teria nos descoberto com algumas décadas de antecedência, como muitos podem ter pensado. O objetivo principal do projeto de navegação português era muito claro: explorar o comércio de especiarias com o Oriente, a fonte conhecida e garantida de lucro fácil. Novas terras não deixam de ser uma perspectiva agradável, mas se os portugueses passaram trinta anos sem dar bola para o Brasil por causa dos negócios com a Índia, mesmo sabendo que existíamos e já tendo conferido o que por aqui havia, teriam eles alocado recursos maiores para colonizar terras a sudoeste que nem haviam sido descobertas, e cuja existência era mais suposição do que fato?


Não há de se desprezar, contudo, a colonização feita pelos próprios vinlandenses. Navegadores exímios que eram, convenhamos que era improvável que os vikings não descessem pelo menos até as proximidades do Equador nesses primeiros séculos de história, e mais não avançariam porque no Hemisfério Sul perdiam o principal ponto de referência: a Estrela Polar. Povoamento nórdico na costa do Golfo do México, no Caribe e na América Central? Dificilmente seria algo além de feitorias e postos avançados de observação. As grandes distâncias e o clima quente demais para um povo habituado ao frio da proximidade do pólo norte inviabilizariam um empreendimento colonizador viking em larga escala nas regiões tropicais, quanto mais não fosse a dificuldade de vencer os indígenas antes do uso bélico da pólvora. As civilizações nativas do continente não eram afeitas ao mar. Povos da floresta e dos altiplanos, maias, incas e astecas sequer tomariam conhecimento da existência da Vinlândia, embora esta última conheça relatos a respeito de reis opulentos e cidades pavimentadas com ouro, creditando-os, amparados em sua vasta experiência náutica, como fantasia.


Antes que Portugal por aqui chegasse, sabemos que houve um visionário chamado Cristóvão Colombo, e reis suficientemente supersticiosos e temerários a ponto de financiá-lo, e assim a Espanha resguardou para si quatro quintos do espólio de Adão. A certeza da existência do continente americano despertaria a cobiça das monarquias européias ainda no século XIV. Antes que a Espanha financiasse o genovês com pinta de lunático, franceses, ingleses, holandeses e comerciantes hanseáticos teriam reunido recursos para financiar uma ou outra expedição. Marinheiros e piratas dessas nações visitariam na segunda metade do século o sul dos EUA, a costa do Golfo do México, e com tanto tráfego, é bastante provável que um deles tomasse conhecimento dos astecas, e logo histórias sobre seu esplendor e sua brutalidade seriam comentadas à boca pequena nos cais dos portos, até chegarem às cortes e despertar o interesse de muitas cabeças coroadas européias. Alguns ocidentais mais destemidos inclusive já haviam conseguido fazer contato com os astecas, ou mesmo vivido em Tenochtitlán por algum tempo. Os Hans Stadens da civilização asteca atiçariam ainda mais o apetite por metais do mercantilismo europeu.


Exatamente nesse instante, Portugal dá ouvido a tais rumores, e por mais que tentasse se manter focado na construção de sua rota rumo às Índias, não conseguia deixar de pensar no fulgor dos palácios auríferos do planalto mexicano. E é inegável que o país mais apto a financiar grandes expedições náuticas a lugares distantes, e aquele cujos navegadores tinham mais experiência e técnica para empreender missões deste jaez. Seriam eles, portanto, os primeiros a mandar uma missão oficial, uma expedição tão grande e tão bem armada quanto aquelas destinadas aos reinos da Ásia. Teriam de cara percebido a natureza tributária do império asteca, constatando que eles eram os assírios do Novo Mundo, subjugando os povos vizinhos com mão de ferro. E repetiriam a aliança que os espanhóis fariam com os inimigos de Tenochtitlán, notadamente a cidade de Tlaxcala, conquistando o império de Montezuma e suas fabulosas riquezas na mesma época em que na história ocorrida, Pedro Álvares Cabral avistava o Monte Pascoal.


Aos demais povos europeus, restava tentar ocupar outras partes do grande continente ao qual se sabia agora que pertencia aquele distante reino viking que datava de uma época anterior à das cruzadas. O contato entre a Vinlândia e a Europa agora é amiudado e intenso, e suas cidades portuárias são usadas pelos corsários europeus como entrepostos na procura e conquista de novas terras. O reino da Vinlândia nessa época abarcaria o território correspondente hoje às províncias canadenses de Quebec e Ontário, a região em torno dos Grandes Lagos e tudo aquilo que hoje se conhece como costa leste dos Estados Unidos, exceto a Flórida, cujo clima subtropical e belicosidade dos nativos haviam tornado pouco atraente. Os montes Apalaches delimitariam a fronteira política do reino. As planícies centrais ainda eram esparsamente povoadas, apesar da abundância de terras férteis, e o oeste ainda permanecia distante e selvagem. Não obstante, por mais que tentassem e quisessem os europeus, nenhuma nação tinha mais condições de colonizar esse enorme território e arrebatá-lo da mão do indígena era a Vinlândia. Sua tradição de pluralidade étnica e tolerância religiosa atraía os desvalidos e proscritos de todo o velho continente, o que fazia deles o contingente ideal para ocupar aquelas vastas pradarias. Sequiosos de produtos tropicais cobiçados em seus mercados, os países europeus disputam a tapa as ilhas, bem como as costas do Mar do Caribe.


Enquanto os portugueses se refestelam com o ouro asteca de um lado e com a fortuna das especiarias pelo outro, espanhóis, ingleses, franceses, holandeses, os principados alemães do Mar do Norte e as cidades italianas de Gênova e Veneza trafegam pelas Antilhas quase a ponto de provocar engarrafamentos. Mas italianos e alemães têm a decisiva desvantagem de ainda serem politicamente dispersos em uma multiplicidade de pequenos reinos. Holandeses e ingleses, através de suas companhias, ao lado dos franceses, são os que mais logram sucesso. No mundo que agora descrevemos, não haveria sequer ensejo para uma Bula Intercœtera ou um Tratado de Tordesilhas. A corrida oceânica tinha apenas um competidor em folgada vantagem: Portugal. Os espanhóis, ao invés de senhores de um continente imenso e de montanhas de ouro e prata, seriam um lutador menor nessa briga. O século XVI se inicia com uma corrida mercantil-colonialista européia rumo a outras terras como a história que virou história não veria antes do século XIX.


(No próximo capítulo: quem descobriria o Brasil?; A Vinlândia entra no concerto das nações européias, bem como em seu jogo político; O Império Inca e seus confrontos com os europeus; seria a América uma Europa em miniatura?)

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