Thursday, September 27, 2007

COMO SERIA... SE OS VIKINGS TIVESSEM COLONIZADO A AMÉRICA?


Parte IV


Sob os auspícios do reinado de Dom Manuel, o Venturoso, Portugal é uma nação desproporcionalmente poderosa no concerto das forças políticas européias. A rota das especiarias indianas é longa, arriscada e cara? O ouro mexicano estava lá para amortizar possíveis perdas. E para assegurar a posse dessas terras e desse ouro os portugueses se adiantam e rapidamente estabelecem portos e fortificações ao longo da costa centro-americana, de modo que a América Central estaria firme em suas mãos. Ingleses, franceses, holandeses e espanhóis ocupavam as Antilhas e nelas produziam o açúcar tão cobiçado e valioso no Velho Continente.


Ao mesmo tempo em que se estabelecem nas terras que conseguem dominar, as nações européias que participam da empresa expansionista não param de tentar alargar seus domínios. Na primeira metade do século XVI ocupam a costa sulamericana do Mar do Caribe e chegam até a foz do rio Amazonas, do que se depreende que Pindorama teria sido descoberta no Pará, e não na Bahia. Saber quais povos teriam conseguido se estabelecer em quais lugares da costa brasileira é um exercício de pura especulação, mas em tal cenário de acirrada competição, é possível afirmar com certeza quase absoluta que nenhuma nação teria conseguido o domínio pleno de toda a costa nacional, e que portanto o Brasil enquanto entidade política unificada pelo domínio de um só colonizador jamais teria existido. Podemos imaginar franceses estabelecidos da foz do Amazonas até as praias do Ceará, holandeses e ingleses disputando o restante da costa nordestina enquanto bordejavam o restante do nosso litoral procurando riquezas minerais e terras férteis para o plantio de produtos tropicais valorizados no mercado europeu.


Um pouco mais ao norte, os domínios portugueses se expandiam até as proximidades da Cordilheira dos Andes, descobrindo o outro grande império nativo da época: os incas. Na época dos primeiros contatos, o Império do Sol era governado pela mão forte de Manco Capac, e vivia o auge de seu poderio militar. Era ainda mais coeso, populoso e difícil de conquistar que o Império Asteca, pelo que Portugal não o afrontaria de imediato. A briga, na verdade, seria entre os próprios europeus, já que os outros também tomariam conhecimento da opulência inca e também tentariam aproveitar a nova oportunidade. A disputa interna que se seguiu à morte de Capac precipitaria os acontecimentos, com portugueses fechando um acordo de cooperação com Atahualpa e franceses, holandeses, espanhóis e ingleses tentando compor alianças com o irmão rebelde Huascar. O Império Inca mergulha numa guerra civil prolongada, com cada nação européia envolvida na contenda tentando apoiar o lado que lhe parecesse mais vantajoso. E aqui a Vinlândia desempenha um papel importante: é ela que serve de entreposto para as missões européias que partem para a Grande Guerra dos Andes; suas férteis pradarias fornecem os suprimentos necessários para o sustento das atividades bélicas, de alimentos a armas, passando por barcos e mesmo mercenários. E nesse contexto uma aliança com o soberano vinlandês se torna crucial para quem quiser perdurar na aventura colonial no Novo Mundo. A guerra na cordilheira fomenta a agricultura, a manufatura e o comércio da Vinlândia, que se torna uma nação próspera com quem as cabeças coroadas européias pretendem manter as melhores relações. Não seria nada surpreendente que as casas monárquicas da Europa tentassem unir-se à família real vinlandesa por meio de matrimônios estratégicos.


Independente de quem vença o conflito andino, a Vinlândia, portanto, já ascende como força a ser considerada no xadrez geopolítico europeu. E ao mesmo tempo em que se articula com as potências coloniais européias, defende também seus próprios interesses na guerra, o que a conduz a um choque inevitável com o governo colonial português incrustado no altiplano mexicano. Após anos de sangrentas contendas, uma grande e decisiva batalha coloca de lados opostos Atahualpa e seus aliados portugueses, e Huascar com sua coalizão européia e vinlandesa. Unindo-se a Pizarro, Huascar derrotou o irmão na história real, e amparando-se em um amplo leque de alianças, teria derrotado Atahualpa também na história imaginária. Seguir-se-ia à vitória definitiva a sua coroação como legítimo sucessor do grande Manco Capac, mas a essa altura dos acontecimentos ele não seria muito mais que um monarca fantoche, tendo que se curvar ante os interesses ingleses, holandeses, franceses e, sobretudo, vinlandeses.


Antes que a reforma religiosa pusesse a Europa em polvorosa, uma grande rivalidade já havia nascido do lado de cá do Atlântico. Definhando o comércio das especiarias orientais, Portugal voltar-se-ia definitivamente para suas conquistas ocidentais. A opinião geral em Lisboa era a de que os lusos haviam perdido a guerra inca por ter dividido seus esforços entre o oriente e o ocidente. E o grande inimigo a ser confrontado já estava mais do que identificado: a Vinlândia, o reino nórdico medieval que havia expandido suas fronteiras na América do Norte graças à imigração e que já era uma potência agrícola, manufatureira e militar. Os ingleses, espertos como só eles e grandes navegadores, estabeleceram-se no estuário do Rio da Prata, e transformaram-se no grande entreposto entre a prata e o ouro peruanos e os mercados europeus, além de haverem resguardado para si trechos da costa brasileira onde tentavam plantar cana-de-açúcar e algodão. Holandeses e franceses, ocupantes do restante de nossa costa, tratavam também de consolidar suas conquistas aqui e nas Antilhas, enquanto Portugal, exaurido pela aventura oriental e com população diminuta demais para colonizar e defender um território tão grande e cobiçado quanto a América Central, compõe alianças com seus vizinhos ibéricos na tentativa de fortalecer suas colônias.


(No próximo capítulo: o fluxo de escravos africanos para as plantations; a Reforma e suas implicações no equilíbrio de forças na América; a união ibérica e uma nova grande guerra no Novo Mundo)

Saturday, September 15, 2007

COMO SERIA... SE OS VIKINGS TIVESSEM COLONIZADO A AMÉRICA?


Parte III


Apesar de haver oficialmente acabado em 1453, a Idade Média de fato começa a morrer e a Idade Moderna começa a bicar a casca do ovo ainda no século anterior. O primeiro evento que precipita as mudanças é a avassaladora mortandade provocada pela peste negra, que grassou rápida e implacável como uma horda de guerreiros mongóis sobre a Europa de 1348 a 1351, dizimando entre um terço e metade da população. O segundo tem a ver diretamente com Portugal: a Revolução de Avis, que concentra de vez o poder nas mãos do monarca luso e o torna financiador da aventura ultramarina. Mas nessa versão da história os portugueses não têm apenas as especiarias indianas como motivação. Sabendo que os escandinavos há muito tempo descobriram uma terra a oeste, tão distante que as narrativas a seu respeito mal e mal distinguem a fantasia da realidade, mas a perspectiva era suficientemente sedutora: se havia terras a noroeste, quem garantia que não havia terras virgens a conquistar mais ao sul? O traçado que margeava a costa ocidental da África é mantido, mas desde o início os navegadores portugueses são instruídos a procurar atentamente por sinais de terra no poente. Na famosa Escola de Sagres, marinheiros, cartógrafos e especialistas outros discutem a que distância estariam essas novas terras, não faltando os céticos empedernidos que, munidos de argumentos razoáveis, “comprovavam” que as terras do oeste se restringiam à Vinlândia, e que a procura portuguesa haveria de ser vã como a espera dos judeus pelo messias já realizado por Deus na encarnação de Cristo.


Mas Portugal, não obstante os riscos, as incertezas e as proscrições, seguirá adiante, ainda mais depois da conquista otomana fechar o acesso das cidades italianas ao mercado das especiarias. A invenção e o constante aperfeiçoamento das caravelas, no entanto, traz conseqüências nada irrelevantes para a Vinlândia em pouco tempo: à medida que dominam a técnica de navegação oceânica, os europeus passam a afluir em maior número. Fugitivos das precárias condições de vida do leste europeu, as primeira comunidades eslavas chegam à outra margem do Atlântico, mas o maior contingente é de ingleses e franceses, principalmente os últimos, devido à Guerra dos Cem Anos. Povos balcânicos dominados pela espada do infiel turco também dão sua parcela de contribuição. Por quatro séculos predominantemente escandinava, com status de fim de mundo que desencorajava mesmo os desesperados a enfiar-se num barco para tentar a travessia, a Vinlândia se vê às voltas com o primeiro fluxo imigratório constante e robusto de sua ainda recente história. Mas apesar da natural resistência que a chegada de grandes contingentes de estrangeiros sempre provoca, a resistência não encontra espaço para se robustecer. Por um simples motivo: há terra demais. Os despossuídos lavradores eslavos poderiam se embrenhar à vontade na hinterland selvagem da América do Norte, e que tivessem boa sorte no confronto com os índios. Os mais urbanizados se instalariam nas cidades costeiras e fluviais, que devido ao talento viking para o comércio já exibiam prosperidade talvez capaz de rivalizar com o esplendor da Liga Hanseática.


É no final do século XV, no entanto, que a posição da Vinlândia perante a Europa e o mundo muda dramaticamente. Mesmo sabendo que existia terra a oeste desde o começo da aventura marítima, Portugal não teria nos descoberto com algumas décadas de antecedência, como muitos podem ter pensado. O objetivo principal do projeto de navegação português era muito claro: explorar o comércio de especiarias com o Oriente, a fonte conhecida e garantida de lucro fácil. Novas terras não deixam de ser uma perspectiva agradável, mas se os portugueses passaram trinta anos sem dar bola para o Brasil por causa dos negócios com a Índia, mesmo sabendo que existíamos e já tendo conferido o que por aqui havia, teriam eles alocado recursos maiores para colonizar terras a sudoeste que nem haviam sido descobertas, e cuja existência era mais suposição do que fato?


Não há de se desprezar, contudo, a colonização feita pelos próprios vinlandenses. Navegadores exímios que eram, convenhamos que era improvável que os vikings não descessem pelo menos até as proximidades do Equador nesses primeiros séculos de história, e mais não avançariam porque no Hemisfério Sul perdiam o principal ponto de referência: a Estrela Polar. Povoamento nórdico na costa do Golfo do México, no Caribe e na América Central? Dificilmente seria algo além de feitorias e postos avançados de observação. As grandes distâncias e o clima quente demais para um povo habituado ao frio da proximidade do pólo norte inviabilizariam um empreendimento colonizador viking em larga escala nas regiões tropicais, quanto mais não fosse a dificuldade de vencer os indígenas antes do uso bélico da pólvora. As civilizações nativas do continente não eram afeitas ao mar. Povos da floresta e dos altiplanos, maias, incas e astecas sequer tomariam conhecimento da existência da Vinlândia, embora esta última conheça relatos a respeito de reis opulentos e cidades pavimentadas com ouro, creditando-os, amparados em sua vasta experiência náutica, como fantasia.


Antes que Portugal por aqui chegasse, sabemos que houve um visionário chamado Cristóvão Colombo, e reis suficientemente supersticiosos e temerários a ponto de financiá-lo, e assim a Espanha resguardou para si quatro quintos do espólio de Adão. A certeza da existência do continente americano despertaria a cobiça das monarquias européias ainda no século XIV. Antes que a Espanha financiasse o genovês com pinta de lunático, franceses, ingleses, holandeses e comerciantes hanseáticos teriam reunido recursos para financiar uma ou outra expedição. Marinheiros e piratas dessas nações visitariam na segunda metade do século o sul dos EUA, a costa do Golfo do México, e com tanto tráfego, é bastante provável que um deles tomasse conhecimento dos astecas, e logo histórias sobre seu esplendor e sua brutalidade seriam comentadas à boca pequena nos cais dos portos, até chegarem às cortes e despertar o interesse de muitas cabeças coroadas européias. Alguns ocidentais mais destemidos inclusive já haviam conseguido fazer contato com os astecas, ou mesmo vivido em Tenochtitlán por algum tempo. Os Hans Stadens da civilização asteca atiçariam ainda mais o apetite por metais do mercantilismo europeu.


Exatamente nesse instante, Portugal dá ouvido a tais rumores, e por mais que tentasse se manter focado na construção de sua rota rumo às Índias, não conseguia deixar de pensar no fulgor dos palácios auríferos do planalto mexicano. E é inegável que o país mais apto a financiar grandes expedições náuticas a lugares distantes, e aquele cujos navegadores tinham mais experiência e técnica para empreender missões deste jaez. Seriam eles, portanto, os primeiros a mandar uma missão oficial, uma expedição tão grande e tão bem armada quanto aquelas destinadas aos reinos da Ásia. Teriam de cara percebido a natureza tributária do império asteca, constatando que eles eram os assírios do Novo Mundo, subjugando os povos vizinhos com mão de ferro. E repetiriam a aliança que os espanhóis fariam com os inimigos de Tenochtitlán, notadamente a cidade de Tlaxcala, conquistando o império de Montezuma e suas fabulosas riquezas na mesma época em que na história ocorrida, Pedro Álvares Cabral avistava o Monte Pascoal.


Aos demais povos europeus, restava tentar ocupar outras partes do grande continente ao qual se sabia agora que pertencia aquele distante reino viking que datava de uma época anterior à das cruzadas. O contato entre a Vinlândia e a Europa agora é amiudado e intenso, e suas cidades portuárias são usadas pelos corsários europeus como entrepostos na procura e conquista de novas terras. O reino da Vinlândia nessa época abarcaria o território correspondente hoje às províncias canadenses de Quebec e Ontário, a região em torno dos Grandes Lagos e tudo aquilo que hoje se conhece como costa leste dos Estados Unidos, exceto a Flórida, cujo clima subtropical e belicosidade dos nativos haviam tornado pouco atraente. Os montes Apalaches delimitariam a fronteira política do reino. As planícies centrais ainda eram esparsamente povoadas, apesar da abundância de terras férteis, e o oeste ainda permanecia distante e selvagem. Não obstante, por mais que tentassem e quisessem os europeus, nenhuma nação tinha mais condições de colonizar esse enorme território e arrebatá-lo da mão do indígena era a Vinlândia. Sua tradição de pluralidade étnica e tolerância religiosa atraía os desvalidos e proscritos de todo o velho continente, o que fazia deles o contingente ideal para ocupar aquelas vastas pradarias. Sequiosos de produtos tropicais cobiçados em seus mercados, os países europeus disputam a tapa as ilhas, bem como as costas do Mar do Caribe.


Enquanto os portugueses se refestelam com o ouro asteca de um lado e com a fortuna das especiarias pelo outro, espanhóis, ingleses, franceses, holandeses, os principados alemães do Mar do Norte e as cidades italianas de Gênova e Veneza trafegam pelas Antilhas quase a ponto de provocar engarrafamentos. Mas italianos e alemães têm a decisiva desvantagem de ainda serem politicamente dispersos em uma multiplicidade de pequenos reinos. Holandeses e ingleses, através de suas companhias, ao lado dos franceses, são os que mais logram sucesso. No mundo que agora descrevemos, não haveria sequer ensejo para uma Bula Intercœtera ou um Tratado de Tordesilhas. A corrida oceânica tinha apenas um competidor em folgada vantagem: Portugal. Os espanhóis, ao invés de senhores de um continente imenso e de montanhas de ouro e prata, seriam um lutador menor nessa briga. O século XVI se inicia com uma corrida mercantil-colonialista européia rumo a outras terras como a história que virou história não veria antes do século XIX.


(No próximo capítulo: quem descobriria o Brasil?; A Vinlândia entra no concerto das nações européias, bem como em seu jogo político; O Império Inca e seus confrontos com os europeus; seria a América uma Europa em miniatura?)

Thursday, September 06, 2007

COMO SERIA... SE OS VIKINGS TIVESSEM COLONIZADO A AMÉRICA? Parte II

O décimo terceiro século depois de Cristo começou conturbado para a Europa. A perda de Jerusalém para Saladino em 1187 fora um duro golpe que a cristandade ainda não havia assimilado direito. No leste, uma nova e imponente ameaça começava a se erguer nas longínquas estepes asiáticas, e muito embora ainda estivesse distante, suas hostes ávidas por pilhagem não tardariam a esvoaçar rumo ao ocidente como uma nuvem de gafanhotos. No Oriente Próximo, a luta pela Terra Santa prossegue, mas os mouros haveriam de reconquistar todos os territórios perdidos em 1099 antes que o século terminasse. Derrota no Levante, vitória na Ibéria, que começara a ser reconquistada dos árabes.

Do outro lado do Mar Tenebroso, no entanto, a vida segue incólume ao choque entre os grandes monoteísmos e à ascensão imperial dos nômades altaicos da Ásia Central. Há três séculos colonos nórdicos estão estabelecidos na costa leste do Canadá, ao longo do curso dos principais rios e já há povoações nos Grandes Lagos. A colonização avança devagar porque os vikings são pouco numerosos, e mesmo superiores em seu armamento de metal, dependem mais de acordos do que de combates com os nativos para poderem se estabelecer, já que as armas de fogo ainda não foram inventadas. A população européia na Vinlândia, apesar de já contar com escoceses, ingleses, frísios, celtas e outros povos do norte europeu, ainda é majoritariamente viking, e apesar de já existir uma rota constante entre a Escandinávia e o novo continente. Vagando sem parar em busca de lugares mais acolhedores na sua interminável diáspora, alguns judeus também já se fazem presentes. Cidades e vilas vinlandesas se espalham pela costa da Terra Nova, atual Canadá, pelo que hoje é o nordeste dos Estados Unidos, até a foz do rio Hudson, onde há uma ilha na qual, na realidade paralela que se tornou verdadeira para nós, se ergue uma cidade chamada Nova York. Com pouco contato com a Europa natal, a Vinlândia cria suas próprias instituições, em quase tudo semelhantes àquelas do mundo viking, amalgamadas com o cristianismo recém-chegado. Teriam um rei, mas sem grandes poderes; a nível local, os conselhos de cidadãos e guerreiros têm mais poder decisório, embora se submetam à autoridade do monarca, uma mistura da estrutura de poder viking com o feudalismo europeu.

A essa altura do campeonato, o patriarca de Roma não pode mais negar o fato de que existem mesmo terras do outro lado do Atlântico. Missionários cristãos se bandeiam para esse novo mundo há um bom tempo, e lá já fundaram paróquias, prelazias, quem sabe até uma diocese. É preciso levar a essas almas desgarradas em terras longínquas a mensagem, a autoridade da Santa Madre Igreja, e os ensinamentos de um de seus maiores teólogos, que naquele século estava vivo e no auge de seu fulgor intelectual: Tomás de Aquino. Sobretudo protegê-las do pernicioso sincretismo com certeza existente num lugar com tamanha confluência de fés: o paganismo nórdico, o cristianismo católico, o judaísmo e as religiões dos nativos (o papa também já sabe que há nativos que jamais ouviram a mensagem do Evangelho). Mas o poder do Sumo Pontífice, embora naqueles tempos conhecesse seu apogeu, não era forte o suficiente para interferir a tão grandes distâncias. Exposto a um grande leque de influências, o cristianismo vinlandense incorporaria elementos do paganismo nórdico e indígena, com algumas influências germânicas e celtas. Heréticos perseguidos na Europa, notadamente cátaros e templários, buscariam também nas terras a oeste um refúgio. O catarianismo, aliás, teria possibilidades de sobrevivência à medida que seus adeptos conseguissem dominar terras no interior do continente. A região central da América do Norte teria um Utah albigense.

Uma pergunta deve estar atormentando alguns cérebros agora: por que os europeus ainda não se lançaram a uma corrida massiva e desenfreada rumo às novas terras, duzentos anos depois de descobri-las. A resposta, a princípio, é simples: a tecnologia náutica européia ainda não havia dominado a navegação em alto-mar, o que forçava a penosa viagem bordejando o Ártico, e a rota permanecia a maior parte do ano fechada pelos rigores do clima nas proximidades do Círculo Polar. A descoberta do continente americano cinco séculos antes teria acelerado o desenvolvimento da indústria naval européia, mas sem o domínio da bússola e do astrolábio a viagem de semanas cruzando o Atlântico não seria possível. Nem mesmo havia quem disponibilizasse as enormes somas necessárias para financiar a aventura ultramarina: as monarquias nacionais tinham pouco poder e a nascente burguesia tampouco tinha o bastante.

No extremo oeste da península ibérica, no entanto, havia uma nota dissonante na orquestra: forjado na luta de reconquista contra os mouros, Portugal erguera-se sob o cetro real, e essa mesma circunstância, aliada à providencial posição geográfica, que o levaria a ser pioneiro europeu na navegação oceânica estava presente no século XIII, quando o pequeno reino já se consolidara. Sabendo que havia terras para além da vastidão atlântica, o ímpeto português de chegar às Índias que se manifestaria após a Revolução de Avis também se voltaria para o oeste. As ilhas da Madeira e dos Açores serviriam como pontas de lança rumo ao Mar Oceano, da mesma forma que serviram na história factual como primeiro estágio na rota para o Oriente. Mas essa é história para o próximo capítulo.

(No próximo capítulo: Portugal rumo ao oriente e ao ocidente; o fortalecimento das monarquias européias e o aumento de interesse em relação à Vinlândia; de como os vinlandenses lidariam com o grande fluxo migratório trazido pelas caravelas).

Saturday, February 10, 2007

COMO SERIA... SE OS VIKINGS TIVESSEM COLONIZADO A AMÉRICA?

Parte I

No século IX a Europa vivia sua fase de mais acentuado declínio. Praticamente sem vida urbana, fragmentada territorial e politicamente e tendo esquecido grande parte do legado civilizacional greco-romano, o continente era invadido por todos os lados. Ao sul, os sarracenos. A leste, os magiares. Mas nenhum outro invasor causava mais pânico do que aqueles que vinham pelos mares e rios e saltavam de seus navios de armas em punho, pilhando tudo que vissem pela frente e matando todos os que se dispunham a impedir o saque. Nas igrejas e mosteiros, a cristandade rezava: “da fúria dos homens do norte, livrai-nos, Senhor”.

Durante duzentos anos os “homens do norte” se lançaram para fora de suas terras na Jutlândia e na Escandinávia, não apenas espalhando o terror e promovendo a desordem. Foi um clã Viking autodenominado Rus que fundou o primeiro dos reinos que posteriormente dariam origem à Rússia; Moscou e Kiev foram fundadas por eles. Na Normandia francesa estabeleceram-se para depois conquistar a Bretanha, já cristianizados. Mas o que interessa é o avanço deles rumo às encostas geladas do norte. Em fins do século IX, descobriram essa ilhota vulcânica que hoje chamamos Islândia. A Groenlândia começou a ser habitada logo em seguida. Os Vikings não dominavam a navegação em alto-mar (faltava-lhes a bússola e o astrolábio), mas naquela época ninguém dominava melhor que eles as técnicas de navegação costeira. Por volta do ano 1000, Leif Eriksson, filho do governante da Groenlândia, parte em busca de terras com clima mais ameno a oeste e encontra a costa leste do Canadá (hoje província de Newfoundland). Lá funda uma pequena aldeia chamada Vinland, que subsiste durante trinta anos antes de ser abandonada às pressas. Dada à dificuldade de se chegar à região na época (eram três semanas de navegação difícil que só podia ser feita dois meses por ano), os vikings não mais retornaram e Vinland persistiu nas narrativas épicas, tida como fictícia até ser encontrada nos anos 60.

No entanto, a colonização de Vinland não era tarefa impossível. Seus colonos desistiram devido às dificuldades de contato com a Groenlândia, de onde vinha material e pessoal, e a escassez de madeira e ferro na região, que fragilizou a comunidade no confronto com os nativos. Mas os mesmos vikings sabiam que havia madeira e ferro em abundância nas proximidades da baía de Baffin, e mesmo por um exíguo período, conviveram pacificamente com os índios Beothuk. Tivessem os pioneiros estabelecido de imediato uma rota para Markland (terra das madeiras, como eles chamavam a região do Labrador, norte canadense), se supririam de madeira suficiente para construir suas povoações e de ferro suficiente para fabricar ferramentas e, principalmente, armas para eventuais combates com os índios. Virando-se por conta própria e contando com a escassa ajuda groenlandesa, Vinland consegue se estabelecer.

Como já foi dito, os vikings eram excelentes navegadores, e suas embarcações conseguiam singrar mares e rios com eficiência. Sabendo que havia um território de dimensões desconhecidas para oeste, os vinlandeses lançam-se em seus barcos a explorar a foz e o leito do rio São Lourenço, onde rapidamente surgem vários povoados nas margens. Os habitantes dessas vilas são principalmente habitantes da Groenlândia, que não hesitariam em trocar aquela terra gélida por um lugar mais quente e com mais recursos, e ainda por cima com clima semelhante ao da Escandinávia, berço dos vikings. As notícias dessas terras vastas e férteis não demoraria a chegar ao norte europeu, e alguns noruegueses, suecos e dinamarqueses sem eira nem beira ou perseguidos começariam a chegar por volta do final do século XI. A viagem, porém, é difícil: são várias semanas a bordo de embarcações sem cobertura, e não bastasse isso, a travessia só podia ser realizada de junho a agosto. Dessa forma, o povoamento inicialmente seria lento, dependendo mais do ritmo de crescimento dos já estabelecidos em solo americano que da imigração. No início do século XII, enquanto a cristandade se une em armas para tomar a Palestina, os colonos nórdicos na América atingem a região dos Grandes Lagos, e lá vislumbram as grandes e férteis pradarias do meio-oeste da América do Norte.

Nessa época as diversas aldeias espalhadas por Newfoundland e pelo curso do São Lourenço estariam unificadas sob a égide de um monarca, mas preservariam grande autonomia local, tanto pelas dificuldades de contato como pela própria cultura viking, que nunca teve pendores para muita centralização. Na Europa, os reinos escandinavos estavam consolidados, e suas populações cristianizadas. O zelo inquebrantável dos missionários cristãos os faria chegar à Islândia, à Groenlândia e finalmente à América. Devido às já mencionadas dificuldades de acesso, a fé cristã demoraria a chegar, mas na época em que nos encontramos ela já estaria por lá havia algumas décadas, absorvendo aos poucos as crenças pagãs ao mesmo tempo em que estas imprimiam suas marcas no cristianismo vinlandês. Da mesma forma que ocorreu no norte da Europa, os monarcas se converteriam primeiro e a população lentamente os seguiria, e nesse ínterim, paganismo e cristianismo conviveriam, embora não se descarte que alguns enclaves renitentes em preservar a religião viking tenham se embrenhado no interior com o intento de viver numa sociedade livre da nova fé.

O restante da Europa já havia tido contato com relatos dos nórdicos acerca de uma terra distante a oeste, mas a descoberta da vastidão do Novo Mundo atiça pessoas de todos os segmentos sociais, desde jovens nobres desfavorecidos nos direitos hereditários a camponeses empobrecidos, incluindo ainda judeus e hereges em geral, perseguidos por autoridades tanto seculares como eclesiásticas. Mas a caravela ainda não tinha sido inventada; apesar dos vinlandeses terem aprimorado o drakkar que os levara ao novo continente, o trajeto continua bordejando as calotas polares árticas, o que faz muitos desistirem. Mas alguns se arriscam; Noruega e norte escocês tornam-se os pontos de partida dos emigrantes, servindo as ilhas do Mar do Norte e a Islândia como entrepostos na longa jornada. Essa primeira leva de colonos não-nórdicos é bem recebida do outro lado do Atlântico, seja porque havia terra demais para gente de menos, seja porque não eram numerosos a ponto de fazer os vinlandeses se sentirem ameaçados.

Entre esses primeiros imigrantes, os judeus exercerão papel mais destacado. Proibidos de possuir terras na Europa Cristã, eles se especializaram em ofícios manuais que lhes deram grande conhecimento técnico, além de monopolizarem as finanças, graças à proibição católica à prática da usura. Os recém-chegados trazem consigo o primeiro sopro do vento capitalista que começava a sibilar em terras européias, e os judeus, com suas características especiais já mencionadas, são a pedra angular desse início de mudança. No decorrer do século XII são poucos os imigrantes europeus na Vinlândia: a luta pela Terra Santa absorve por demais a cristandade para que esta se preocupe com longínquas terras ocidentais que distam meses de viagem e cujo acesso é restrito e dificílimo. Para evitar a dispersão de esforços no mundo cristão alguns clérigos eminentes escrevem longos e minuciosos tratados demonstrando que a existência de tais terras não passa de mais uma lenda numa época repleta delas. O fato de não existir correio inter-oceânico na época fazia tais desmentidos terem algum grau de aceitação, principalmente nas regiões mais ao sul.

Nas ilhas britânicas e no norte da Europa, pontos de partida para expedições rumo ao ocidente, é impossível desmentir os boatos. Camponeses, perseguidos pelos governantes ou pela justiça e todos aqueles que se sentissem desprestigiados na situação vigente e dispondo de uma dose considerável de destemor afluíam aos portos em busca da nova terra das oportunidades. O movimento migratório persiste mais forte nesses lugares, e embora autoridades locais tomem episodicamente medidas para restringir esse fluxo, ele se mantém, lento, porém constante.

(Amanhã: albigenses, templários e demais hereges afluem ao Novo Mundo; a relação da Vinlândia com os índios; um pequeno reino da Europa meridional começa a olhar para o Atlântico; A Igreja, as novas terras e seus fiéis)

Saturday, January 20, 2007

INTRODUÇÃO

A história, dirão alguns, é o domínio do conhecimento humano onde o futuro do pretérito e o do subjuntivo não existem. Para os puristas, o gênero denominado História Alternativa está bem mais vinculado à literatura que à própria ciência histórica.

No entanto, durante décadas se disse o mesmo da ficção científica. As obras de Jules Verne e H. G. Wells, para citar os mais famosos autores do gênero que viveram antes da Era Espacial, nunca eram citados em veículos de divulgação científica, e o próprio Isaac Asimov, cientista competente e ficcionista científico primoroso, enfrentou preconceitos ao se aventurar por esta senda. O progresso da tecnologia então fez o milagre: concretizou, e em alguns casos até mesmo extrapolou os limites do que pouco tempo antes era considerada fantasia sem nexo algum com a realidade.

Mas o passado, ao contrário do futuro, não é uma loteria de eventos mais e menos plausíveis. Ele já aconteceu, e o que resta àqueles que o estudam é desvendá-lo, interpreta-lo, relaciona-lo ao presente, ao futuro ou a outras épocas que o precederam. O que dota a História Alternativa de uma fragilidade que sua congênere científica jamais possuiu: enquanto esta é o reino do que talvez aconteça, a primeira é o reino do que talvez teria acontecido. Uma é o que porventura venha a se realizar, a outra é o que porventura jamais se realizou.

Ou não... O passado, apesar de já congelado na estrutura do tempo e registrado nos anais da história, às vezes revela segredos que levam a mudanças de paradigmas em diversas áreas do conhecimento. Tome-se como exemplo a história de Vinland. Ela apareceu em narrativas épicas dos povos nórdicos por volta do século XIII, mencionando uma terra a oeste da Groenlândia que teria sido colonizada por escandinavos algumas centenas de anos antes. Durante séculos o relato foi considerado pura ficção, até que há quarenta anos um grupo de arqueólogos desencavou Vinland das entranhas da terra no leste do Canadá. O estilo arquitetônico, os teares e os utensílios de ferro não deixavam dúvidas: aquela fazendola enterrada em Newfoundland era mesmo uma povoação viking, e a datação radioativa comprovou inclusive que o sítio datava do século X, exatamente a época na qual as epopéias nórdicas situam a conquista dessa terra misteriosa a leste, numa época em que os europeus tinham medo de singrar as águas vastas do “Mar Tenebroso”, o nome que davam ao Atlântico. Hoje, a saga que até a época em que meu avô se sentou num banco de escola era tida como narrativa fantástica está registrada em todos os compêndios de história adotados como material didático em nosso sistema de ensino.

Por esse e outros motivos, a viagem desse blog pelas trilhas do plausível não concretizado começa com eles, os homens do norte que saíram de suas regiões inóspitas e geladas para aterrorizar a Europa cristã nos séculos IX e X, que colonizaram as ilhas polares e semipolares e que tentaram se estabelecer no continente americano muito antes que os ibéricos sonhassem com as riquezas d’além-mar. Como seria... Se os vikings tivessem colonizado a América? Esta é a primeira tentativa que faremos de construir um futuro que, se não existe, poderia muito bem ter existido. Espero contar com a ajuda dos que se interessam (ou não) pelo tema ao iniciar esse desafio.

João Philippe Lima, 20 de janeiro de 2007.